Uma editora implacável


Minhas internações hospitalares eram frequentes na infância. Eu passava muitas horas sem comer na escola, desmaiava e, quando acordava, estava cercada de paredes e móveis de ferro pintados de branco. Não achava ruim. Naquela época, a comida servida no único hospital público da cidade me parecia ótima e eu me lembro com satisfação da canja de frango desfiado com batata e cenoura.
Além da comida, o tratamento que me dispensavam era bom e eu percebi que as internações eram as únicas circunstâncias em que eu poderia fazer pequenos pedidos sem que eles fossem considerados esdrúxulos. Eu os fazia à Ivone, enfermeira que costumava me receber para a internação. Pedia que, para aplicar o soro, ela furasse a veia do braço direito, e não do esquerdo, como costumavam fazer, na suposição de que o paciente fosse destro e precisasse do braço direito livre. Eu era o contrário. Canhota, precisava da mobilidade do braço esquerdo para me distrair nas horas que passaria internada. Também pedia um bloco de notas e uma caneta para que escrevesse enquanto estivesse ali. Ivone gostava de mim e era compreensiva.
Afundada em uma cama de hospital no Planalto das Guianas, em pleno lavrado continental e sem nunca ter visto o mar, eu me distraía escrevendo sobre as vidas dos moradores de uma ilha oceânica imaginária. A história já tinha alguns capítulos, todos iniciados durante as internações e complementados em casa, e Ivone sugeriu que eu os juntasse em um livro.
Eu aprendera a datilografar aos seis anos, em uma máquina que minha avó paterna tinha no Piauí, estado onde eu nasci e onde morei até essa idade. Como minha alfabetização era recente, comecei batendo frases curtas e engraçadas, como Vaca amarela cagou na panela, e transcrevendo textos de minha cartilha escolar. Com a prática, meus dedos memorizaram a posição das letras e trago dessa época minha habilidade de digitar rápido, embora com uma técnica incorreta, por empregar apenas indicadores e médios. Lembrei-me dessa habilidade quando Ivone falou do livro e pedi que meu pai me levasse para o trabalho dele durante minhas férias.
De folga da escola, aproveitei para transcrever a história dos moradores da ilha na máquina de datilografar do escritório. O monte de folhas de bloco de notas e de cadernos escolares pequenos rendeu umas poucas páginas de papel A4 datilografadas e preenchidas com linhas tortas que eu grampeei, chamei de livro e guardei na mochila. Queria entregá-las para a Ivone em minha próxima internação.
De volta ao hospital no período escolar seguinte, percebi que as coisas haviam mudado em pouco tempo. Acordei do desmaio com a agulha do soro fincada nas costas da mão esquerda e com um esparadrapo largo enrolado em várias voltas ao redor do meu pulso e de uma tala de papelão que servia para imobilizá-lo. Eu estava em uma maca no corredor do hospital, e não no quarto onde costumava ficar, e não havia nenhum bloco de notas ou caneta por perto. Ao meu lado, apenas uma lixeira grande cheia de garrafas de soro glicosado amassadas e vazias. Além de não poder escrever com a mão esquerda, eu não teria direito à canja de frango. Aplicariam mais soro em vez de me dar o almoço e tentariam me liberar o mais cedo possível.
Ao me darem alta, minha mão estava inchada e roxa e percebi que havia vários furos de agulha ao redor do furo onde o soro fora efetivamente aplicado. Foi desagradável desenrolar e puxar o esparadrapo, que havia colado na agulha e arrancou muitos pelos. O pulso estava dormente e, assim como a mão, também aumentara com o inchaço.
Quando me preparava para sair, tirei da mochila minhas folhas grampeadas e as dei para a enfermeira de plantão. Pedi que as entregasse à Ivone, que não estava naquele dia, mas disse que ela também poderia ler o que estava ali. A mulher recebeu os papéis com um rosto sem expressão.

Já na rua, me voltei uma última vez para o corredor onde passara o dia inteiro sobre uma maca. Pendendo da borda da lixeira cheia que estivera ao meu lado, um volume de papéis dobrados ao meio, meu primeiro livro.