Hoje minha avó morreu

 

Hoje de madrugada minha avó morreu. A outra avó morreu há 14 anos.

Quando a primeira morreu, sonhei com uma torre. Hoje de madrugada, de novo esse sonho, o da torre. Foram sonhos diferentes, mas com o mesmo tema.

Da primeira vez, foi um desabar, um dispersar depois que a torre desmoronou. E o significado disso eu consegui entender muito bem com o desenrolar dos anos seguintes. 

Desta vez, a torre se inclinou aos poucos e houve tempo de perguntar aonde ir. A torre caiu de mansinho e nem vi sua queda, porque alguém me levou para outro lugar. Só soube que caiu perto de quando o Sol entraria no signo da Virgem, com quem ela tanto queria se encontrar.  

O arquétipo da torre é interessante. Não jogo mais tarô, mas os símbolos são uma linguagem que nos acessa sem depender de nossas crenças depois que a conhecemos. Claro que queremos ser especiais, ter algum poder, mas não temos. Temos apenas alguma conexão com quem amamos ou nos ama, e isso você talvez já tenha percebido, por mais cético que seja. É aquele pensamento do nada em fulano e depois vem alguma notícia. Ou então um sonho. Há também quem ouça ou veja com clareza o que precisa ser visto ou ouvido e isso não depende de crença ou descrença. Dá até para viver sem um laudo psiquiátrico nessas circunstâncias. O mundo não é só matéria. 

Ontem à tarde, alheia a tudo, eu pensava umas coisas estranhas, "de fora da minha cabeça", do tipo: ser o último a se despedir de alguém. Ou: não somos só o corpo mesmo, ali é o grão de trigo. Fica a lembrança, ficam os risos.  

Com a minha avó, convivi por seis anos e depois a visitei em férias ou folgas. Consegui passar o aniversário dela antes da pandemia. Ali foi minha despedida. 

Não me lembro de nenhuma vez que ela tenha se alterado ou brigado comigo e eu sempre me perguntava de que matéria ela era feita, tão serena sempre. Talvez alguém algum dia tenha tentado ver até onde ia a paciência dela, mas deve ter desistido logo, porque era uma paciência que ia longe. Você andava uma milha e ela ia duas.

Minha avó era conhecida por ser uma mulher educada e compassiva, que teve o heroísmo de criar seis filhos sozinha depois de ter ficado viúva aos 37 anos. Tinha o dom raro de não falar mal de ninguém e já se preparava para o Céu há um bom tempo, empreitada levada a sério desde que me entendo por gente. 

Não ganhei o tercinho da primeira neta a comungar porque fiquei fora da Igreja muitos anos, mas aprendi o Credo nas missas de véspera que frequentei com ela antes dos seis anos. Daquela época, ficou uma memória de colônia e de roupas brancas reluzentes. Também ficou a letra da música "A Treze de maio" cantada através de uma Nossa Senhora de Fátima luminosa sobre o oratório.  

Quando minha avó morreu, foi de morte serena, em casa, com duas filhas e um neto. Morreu como viveu. Não quis incomodar, quis só ver sua Virgem, com quem já queria se encontrar há muito tempo. E a Virgem enfim chamou.