Qualquer possibilidade

 

Alban Lebrun


Era a segunda vez que Elisa ia à casa de Olga para presenteá-la com os chocolates: um pedido de desculpas pelo colapso em frente a seus convidados no último jantar. Para todos ao redor, fora algo súbito e constrangedor. Em meio a uma conversa banal sobre lugares onde passar as férias, irrompeu em fúria após uma recém-conhecida comentar que os lugares que ela, Elisa, escolhia para as férias eram perigosos. Simplesmente isto: a mulher disse que os lugares eram perigosos. Elisa não simpatizara com a misteriosa logo à primeira vista e qualquer coisa que ela dissesse seria mesmo rechaçada.

Ali, diante da porta e reparando nas luzes apagadas após haver tocado a campainha algumas vezes, Elisa, que segurava a caixa de chocolates caros, reconhecia que seu gesto deveria ter sido, aos olhos alheios, mal-educado e exagerado. Após o comentário da mulher, Elisa franziu as sobrancelhas, colocou o guardanapo com que limpava os lábios ao lado do prato e disse que já ia embora. Levantou-se e, sem olhar nos olhos de ninguém, caminhou até a porta da casa, pegou seu guarda-chuvas e saiu sem maiores explicações, como um ator que desiste do personagem no meio da peça e obriga o cenógrafo a diminuir as luzes e fechar as cortinas. Ao menos foi assim que ela viveu a cena: sem perceber nada da reação da plateia. Como atriz ofuscada pela luz dos holofotes, pareceu-lhe que deixava o palco atrás de si e entrava no camarim, que era a rua mal iluminada da casa de Olga.

Após o rompante, vieram a vergonha e a cobrança usuais para ser mais racional, mais fria, e não fazer mais esse tipo de coisa, que de vez em quando fazia no trabalho, na estação de metrô, no dentista, em qualquer lugar, em qualquer situação, inesperadamente, e desde a infância. Sabia que era a única prejudicada por sua impulsividade, mas nenhuma perda (de emprego, de amigos, de oportunidades) a fazia mudar. Ela tentava. Nunca conseguia vencer a si mesma. Chegara a passar anos sem fazer isto, irromper em fúria e sair de cena, mas sempre tornava a fazê-lo. Gostava quando as pessoas não insistiam com ela: significava que haviam desistido, e isso era melhor para todos, pensava Elisa, porque nunca mais as constrangeria. De fato, ela odiava ser inconveniente. A maior parte do tempo, conseguia sustentar a persona educada, que olhava todos diretamente nos olhos e se interessava pelo que diziam, ajudava no que precisavam e era considerada polida e atenciosa, mas essa máscara se esgarçava com o tempo e finalmente caía do rosto, até ser substituída por uma nova.

Olga não desistira dela. Deu-lhe o tempo que sabia ser necessário para Elisa, um dia apenas, e entrou em contato perguntando se ela estava bem. Sim, estava, obrigada por perguntar e, se fosse possível, que me desculpasse, eu mesma não sabia o que tinha acontecido, Elisa respondeu na mensagem de celular. Olga era uma das poucas amigas de longa data e estava habituada aos rompantes. Sabia que eles não tinham mesmo uma explicação, não uma explicação que fizesse sentido, ou o mesmo sentido, da mesma forma, para a maior parte das pessoas.

A embalagem dos chocolates já estava amassada por ter sido transportada de metrô e de ônibus, e Elisa, que, na verdade, era cética, começou a pensar se não era destino, se não era para ser assim mesmo. Ela não deveria ver Olga e não deveria lhe entregar os chocolates, isso era o melhor a acontecer e ela deveria respeitar os sinais do acaso. Sabia que Olga não deixaria de ser sua amiga mais querida por causa disso. Provavelmente a dona da casa estivesse visitando uma amiga naquele momento, talvez estivesse trabalhando e nem se lembrasse mais do ocorrido, envolvida nos próprios problemas e afazeres. Elisa já havia descoberto que os eventos tinham uma proporção diferente para os outros, que ela não era o centro da existência alheia e que as pessoas tinham mais o que fazer do que pensar no porquê das ações dela do mesmo modo que ela o fazia. 

Para recobrar a racionalidade, Elisa tentou se convencer de que a ausência de Olga poderia ter um motivo aleatório, afinal, isso já ocorrera antes e as duas eram amigas havia quase vinte anos.

Acaso ou rejeição? Elisa refletiu sobre o que deveria acreditar naquele momento em que segurava os chocolates em frente à porta. Se não no mero e abrangente acaso, pois era muito fácil e ela não gostava de caminhos fáceis, por que não elencar as possibilidades desse acaso? Olga estaria em visita ou teria viajado. Poderia estar na casa da mãe. De qualquer forma, um pensamento consolador era imaginar que era muito cedo para rever a amiga, e que bom que não a vira. Quem sabe dali a algumas semanas ou meses. Outros eventos atrairiam a atenção de ambas e aquele ocorrido já significaria outra coisa até mesmo para Elisa. O que importava, afinal, era o significado dos eventos, e não eles mesmos. A outra hipótese, rejeição, acompanhava sua sombra à frente da porta da amiga. E se Olga definitivamente houvesse desistido dela, de suas cenas, de seu exagero?

Voltou para casa e decidiu comer os chocolates. Cômodo decidir algo apenas porque ali estavam eles, mas ela não conseguiu comer sequer meio bombom. Havia semanas sentia fome, mas não conseguia comer. Ao sentir-se fraca, recorria a algo fácil de ingerir: um copo de leite, um pedaço de fruta. Elisa emagrecia aos olhos dos outros. No trabalho, evitava almoçar com os colegas para que não comentassem quão pouco ela comia ou perguntassem algo de sua vida privada. Começou a comer suas pequenas porções às escondidas, para evitar opiniões. 

Elisa voltara a ouvir Nina Simone. Largada a caixa de chocolates com apenas um bombom quase meio comido e todos os outros intactos, refletiu sobre como Love me or leave me lembrava os concertos de Bach. Um conhecedor de música lhe dissera que Nina Simone usava as fugas e os contrapontos bachianos. Não sabia o que isso significava, mas achava que tinha a ver com a repetição, com a insistência em uma coisa que sempre levava ao mesmo lugar, como a derrota fatal que alguém, continuamente, infligia a si mesmo. As amizades perdidas, menos a de Olga, os amores fracassados. Por que a palavra perigosos, da outra convidada, despertara sua fúria? Talvez isso não importasse. Talvez revisse Olga e se desculpasse sem lhe dar os chocolates, que, apesar de não terem sido comidos, não eram mais um presente em uma embalagem bonita. Estavam amassados, começavam a derreter como uma máscara de cera aquecida pelo simples calor de seus pensamentos.

Podia ser também que ela nunca mais visse Olga e nunca conseguisse se desculpar por seu rompante. Podia ser que dali a um tempo ela nem considerasse mais ter sido um rompante e fizesse aquilo de novo, em outros lugares, com outras pessoas. Podia ser muita coisa. Sua mente inquieta, o comportamento inadequado, o medo constante de perder as pessoas por ser demasiado intensa.

Suas relações seguiam o ciclo da proximidade, dos escândalos e do afastamento. Em todo esse processo com começo e fim repetidos, as únicas constantes eram a insegurança sobre si mesma e o medo de perder o autocontrole, de ser abandonada. Antes de retornar à proximidade com os demais, envergonhava-se e condenava o próprio comportamento. Estudava como forjar uma máscara nova e mais resistente às intempéries das relações humanas. Acreditava que mudaria e não seria mais um fardo constrangedor aos demais. Trabalhava intensamente na construção de uma personagem mais adequada e, por causa da intensidade dos pensamentos, não conseguia dormir. Seu tempo dilatava-se em eternidades durante as quais sofria a distância das pessoas a quem decepcionara. Em algum momento, convencia a si mesma de que fora abandonada e que isso era o melhor. Love me or leave me.

Conto escrito em 2017.